Formas de habitar os processos

Você sozinho pelado na floresta.

Uma frase chavão que explica parte do processo de criação da arte. É o que o momento exige e proporciona. Desafio e gozo. E se não for encarado assim, restam apenas embalagens ocas, objetos para outros colocarem na estante sem nenhuma conexão e relação. Não é o potencial que a arte retém.

O ESPAÇO

Muito tem a ver com o espaço que é o “ateliê do artista”. Vale redefinir o que entendemos como ateliê para justamente aproximar esse lugar a outras pessoas que não se definem como artistas, muito menos se identificam com a ideia de “habitar do ateliê”. Todos precisamos desse lugar que nos permite tanta liberdade e, ao mesmo tempo, nos coloca diante de confrontos necessários.

Atualmente, nos distanciamos do que somos naturalmente. Exigências do Ocidente, do século 21, de um mundo digital e de várias outras invenções, as quais só o ser humano é capaz. O ateliê é um lugar que nos acolhe como nós mesmos, nossa versão mais natural. Porém, ao acessar essa nossa versão “mais natural” surgem conflitos. Esse processo nos desafia em, no mínimo, duas instâncias básicas às quais o artista se coloca em risco e se propõe:
– uma busca do seu eu real (que não transita em sociedade);
– e a problemática quando este eu real é encontrado.

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O espaço do ateliê é dentro, porém, além da realidade. É um parênteses. Funciona à parte do tempo do relógio de 24 horas; e do calendário de 7 dias por semana. Ele acontece longe da demanda de mercado com seus preços confundidos com valores. No ateliê, não acontece o “erro” porque não tem chão para enraizar julgamentos.
Ao adentrar esse universo sem regras, sem limites claros, sem pagamento no fim do mês, sem recompensa garantida, a gente encontra uma maravilhosa liberdade. A arte é um campo de trabalho privilegiado pelo tamanho da sua subjetividade, mas ela nos empurra a inventar e a reger esse espaço inédito, totalmente descontrolado e só nosso. E o que fazer com isso?

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O ateliê é um grande lugar de questionamentos. É um saber, mesmo consciente, que não existem respostas. É um lugar sem chão, mas é onde conseguimos nos conectar com nós mesmos e, por isso, nos salva.

O processo de cada artista é inventado por ele mesmo, cada um com seu ritual, sua rotina, seu fetiche. Podemos nos propor novos jeitos de aproximação desse lugar da liberdade, ora desafiando o saber, ora acelerando o processo de criação. Podemos investigar e ouvir outros artistas, é uma tentativa de aproximação de um saber. Como eles funcionam nesse seu lugar de criação onde domina o seu eu real? Essa intimidade de processo será visível através da fala, mas mesmo assim permanecerá, para nós ouvintes, somente como campo de pesquisa.

A investigação, o processo em si, o “você sozinho pelado na floresta” requer que você pule, no escuro, não necessariamente sendo esse um abismo. No abismo, aliás, sabemos que caímos para baixo, como Alice, dada a gravidade. Porém, no pulo da criação, no processo do artista, nem a gravidade existe para nos amparar.

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O incrível é que, com todos esses não saberes que nos amedrontam, é inevitável para o artista entrar nesse desconhecido. O único jeito para estarmos face a face com nós mesmos, nós como sujeitos antes de sermos entendidos como tal, antes de sermos objetos de desejo de nossos pais ou do Outro, é encarar o processo de criação. O eu que existe antes da linearidade, antes do tangível, antes do compreensível. Ao cultivar o processo de criação nesse espaço sem regras, o único que se apresenta é o artista.

O processo, então, é sagrado, individual, indefinível, além do controle e, essencial. Essencial para um equilíbrio do ser humano como um todo, para, quando esse voltar a ser um eu mais condicionado à sociedade, poder transitar e ter relações. A estrutura se fundamenta no processo. O resultado é consequência. Portanto, se não tiver processo de criação, o ser humano, não só o artista, desaba. Ele permanece frágil, instável, paredes de papel, um vento, uma brisa e ele se esvai, como ideia só pensada, não tangibilizada. Um eu fraco, fake, sem o eu real que ainda é o que define o ser humano, por mais difícil que possa ser encará-lo.
Mas, de novo, existe um espaço que o acolhe sem julgamento, que permite total liberdade de criação, que abraça o processo, que ama esse eu real, por mais loucura que seja, e onde se pode existir sem absolutamente nenhuma restrição. Encontremos “ateliês” e abracemos todos os nossos processos de criação internos para sermos humanos mais bem resolvidos e mais sublimados.

Curadoria

Julie Belfer Sarian

É pesquisadora, curadora e consultora em artes visuais. Nasceu na Holanda e cresceu no Brasil. Formou-se em artes plásticas pela School of the Museum Fine Arts, em Boston. Depois de quatro anos em Atenas, retornou ao Brasil em 2006 e ingressou na equipe do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), onde ficou por cinco anos. Em 2014, fundou sua empresa, a Arte Contemporânea Vírgula. Recentemente, com os artistas que acompanha, faz a curadoria de projetos experimentais, entre eles, a residência de processos abertos “Movimentos Laterais, de Afastamento e de Colisão”, que aconteceu em 2021; e outros projetos, como a curadoria do 2º Festival Veredas. Sua paixão tem foco no processo, no não saber e na pergunta. Enxerga uma grande potência em diálogos sem amarras e traz à tona verdades nuas e cruas em todos os seus serviços. Foto: Nathalie Bohm

Equipe

  • Coordenação Geral | Paula Machado
  • Produção Executiva | Liene Saddi
  • Direção de Produção | Verena Pereira
  • Curadoria | Julie Belfer Sarian
  • Direção de Arte e Identidade Visual | André Turtelli Poles
  • Programação Website | Fabio Cardoso
  • Vinheta | Renato Quirino
  • Técnico de Transmissão | Rene Lopez
  • Planejamento de Comunicação e Marketing Digital | Helena de Abreu Lopes
  • Analista de Mídia Paga | Kamila de Souza Ortega
  • Assessoria de Imprensa | Mônica Villela
  • Assistência de Produção | Laura Manganote e Ana Heloiza Pessotto
  • Revisão e edição de textos | Marina Fontanelli